Eis que se achega mais uma festa natalina. Há tantos significados para esse momento. Para mim, talvez, um instante de rechaço das atividades laborais. Para outros, um momento em que o consumismo se inflama de forma jacunda, inescrupulosa. Pois eu tenho aquelas convicções que me refletem: o Natal é a festa mais anticristã que existe. Sobretudo no Brasil, é um momento onde as diferenças sociais ganham uma terceira dimensão, com efeito. Mas basta de polêmica. Hoje não é sobre isso que eu pretendo falar.
Pretendo sim, me repetir. Porém sem me tornar repetitivo, se é que me entendem. Quero falar sobre o assassínio descarado que sofre a nossa língua portuguesa. Durante os passeios de jangada pelos sites de relacionamento, fóruns e chats na Internet pode-se notar um apedrejamento fatal dos verbos e adjetivos, como uma Maria Madalena sem Jesus Cristo (cá estou eu falando dele novamente).
É fato que o nosso grande antagonista nessa história é o analfabetismo, ou o analfabetismo funcional que a maioria da nossa gente agrega. Sim, o brasileiro é um analfabeto atávico e insubmersível. Mas esse drama estava escondido, recolhido pelo silêncio e a passividade. No entanto, com o advento das comunidades virtuais, o brasileiro sentiu-se um Moisés pronto e já seco diante de Michelangelo no crucial e histórico momento em que o gênio disse: “Parla”.
E Moisés emudeceu-se. Teve a ternura e o pudor inarredáveis daqueles que não tem o que falar e assim se calam. Já o brasileiro, na sua latinidade crônica, subverteu seu criador. A criatura desbancou-se a falar aos borbotões e mostrar toda sua literatice e pasmou o gênio.
Alguns objetarão, dizendo que esse fenômeno é a evolução da língua portuguesa. Pois eu vos digo. O português não é uma língua para “bate-papos”. É uma língua reflexiva, conjugada, concordada. Requer do seu orador uma introspecção, um exercício mental para ser emitida. O português não é língua de analfabetos subdesenvolvidos. Por assim dizer, não é a língua de um brasileiro autêntico. Se insistimos em falá-la é por uma cristalina teimosia, bem inerente ao povo latino.
Não imagine, meu caro leitor, que eu me incluo fora desse aspecto. Sou também um Moisés subversivo, tagarelante. Admito meu mau português e o faço sem nenhuma falsa modéstia. A verdade é que o escritor, ou pretenso escritor brasileiro sofre de uma solidão cava. Somos um povo que escreve mal para um povo que lê ainda pior. E agora, com a liquidez efêmera da internet, a leitura tem se tornado cada vez mais secundária. Não é preciso ler, apenas olhar.
Ai de nós, moiseses subdesenvolvidos, esculpidos pelos antigênios das mídias de massa. Ai do futuro de um povo que não cultiva e cativa seu bem máximo e inalienável: a língua.