28 de fevereiro de 2007

ANDRÓIDES SILICONADOS

E mais um carnaval se foi. Terminou com o sentimento da catarse tão fundamental ao nosso cotidiano. Neste último, visitei Diamantina. A bela cidade dos diamantes, ruas de pedra- sabão e casas barrocas coloniais. Tamanha a efervescência daquele local nesta época, que disfarça a pacatez que lhe paira nos dias corriqueiros. Desta feita, pude compreender que o carnaval é a mais honesta das festas. Não existe neste festejo o cinísmo do Natal, a falsa sensação do Reveillon. No Carnaval agimos como oferta nossos instintos básicos.

Fiz essa introdução para chegar onde pretendo. É também durante o carnaval que o físico, o carnal está preponderantemente em evidência. Nesse momento não existe o que somos, mas sim o que aparentamos ser. Há no meio da folia uma supervalorização pelas formas e um esquecimento cavo dos olhos e da alma. A nudez carnavalesca é tão clássica, quanto às esculturas renascentistas ou os profetas de Aleijadinho.

Não sejamos tão hipócritas a ponto de afirmarmos que a estética é fútil e superficial. Sem dúvidas que é efêmera, mas não indispensável. Todos temos referências de beleza e através delas guiamos nossos instintos sexuais. Esse dado está arraigado no ser humano e não há qualquer possibilidade de alguma mutação. O grande fato, o mais cruel de todos, é que há uma rotulação exacerbada através da beleza. O preconceito nesse aspecto, reina com soberania, e onde há preconceito, há sempre o equivoco.

Certa feita, publiquei um conto em um fanzine que falava sobre uma menina de uma fealdade absurda. Clarabela se chamava a pobre. No conto, que na verdade era uma crônica, eu costurei uma metáfora sobre as flores. Estes seres que concentram tanta beleza e odor eram as antagonistas da pobre Clarabela. Vejam, meus caros, que Clarabela se apaixona por Thomas, um homem que conhece pela Internet. Ela tem essa paixão correspondida e, num momento clímax do primeiro encontro, descobre que aquele homem é cego. Sua vergonha pela feiúra tornou-se tão menor, tão insignificante perante a deficiência visual de Thomas. Ela descobre que as flores não são suas inimigas, mas sim ela própria. Naquele texto, eu não citei uma reles, uma escassa sequer característica física de Clarabela. Não a fiz magra, gorda, alta ou baixa. Deixei que o leitor fizesse a própria feiúra dentro de si e pudesse, quem sabe, refletir sobre o motivo de padronizar seu conceito estético.

Nesses tempos de silicones, nada melhor que seios sinceros e bocas de carne humana. O ser humano, sobretudo as mulheres, vem se mutilando, tornando-se andróides siliconados, sempre no intento óbvio de instigar a libido alheio. Essa geração Mc Donald’s que não aprecia carnes diferenciadas, preferem dormir ao sabor do papelão de um Big Mac.

Somos todos vítimas e algozes, neste caso. A indústria da estética perpassa sobretudo na nossa educação primórdia, nos conviveres sociais. A atitude a se tomar é individual. O Carnaval deve e sempre continuará a ser a festa honesta, epilética. É parte integrante e fundamental da nossa cultura. Não veremos alguém buscando conhecer a alma alheia no meio da folia. Mas vale o reforço de atenção, para que procuremos deixar de ver com os olhos físicos e, assim como Thomas, se apaixonar por Clarabela, a antagonista das flores.