18 de março de 2007

NOSSA MALDITA SINCERIDADE

Amigos, me impressiona as efemeridades desses novos tempos. A cada dia percebo o quanto as mudanças são instantâneas e indolores. Quando escuto falar sobre as relações humanas do passado, noto que havia uma tangibilidade nos sentimentos. Os namorados casavam-se, os casamentos faziam bodas de prata, de ouro. Hoje é tão comum os relacionamentos se dissiparem como castelos de areia na alta das marés. Os namoros até duram, mas não resistem à força do tempo, às tentações mundanas.

Entre os adolescentes e jovens a prática do “ficar” se institucionalizou de forma quase definitiva. Nada melhor que o anti-compromisso com beijos e mãos de polvo. E quando há alguma festa de grandes proporções, o que ocorre não é nem o “ficar”, mas sim o “beijo-tchau”. Não se sabe o nome, não se sabe sequer a cor dos olhos, e as bocas se encontram ofegantes e ávidas por dali saírem em busca de novas bocas, novas línguas. Não há tempo para nomes, telefone, apenas quer-se o contato físico relâmpago.

Confesso que sou dessa geração e apreciava essas práticas durante a minha adolescência. Mas confesso também que o fato de depois beijar uma desconhecida, a qual, mesmo depois de beijada, permanece desconhecida, me fez bater uma solidão cava, semelhante a de um estádio de futebol em plena manhã de segunda-feira. Esses desejos carnais urgentes e efêmeros nos transformam em pessoas sem qualquer identificação conosco mesmas.

Hoje os amantes são meros desconhecidos, inimigos íntimos. Se antigamente os compromissos se estendiam por anos e evoluíam até atingir a eternidade, seria por que éramos mais responsáveis? Leda ilusão. Naquela época, havia uma hipocrisia arraigada e reafirmada. Qualquer outro fator é capaz de sustentar um casamento por mais de dez anos, menos o amor. Não creio, com efeito, na legitimidade de um amor matrimonial eterno e inviolável. O ser humano é individualista demais para se suportar por tanto tempo assim. Somos seres criados para vivermos sozinhos. A vida social é uma mera forma de sobrevivência.

A família é outra instituição que tem sido solapada pelas novas relações sociais. Alguns saudosistas hão de afirmar que outrora as famílias eram mais sólidas, a exemplo dos casamentos. Todavia, volto a afirmar: naqueles tempos o silêncio dos sentimentos era uma convenção fortíssima. Hoje a sinceridade resolveu criar seu espaço na sociedade, e a sinceridade é o grande defeito dos virtuosos. Sobretudo as mulheres tornaram-se mais ativas, independentes, atacaram com toda sua força o paternalismo. Em suma, o fim da família é resultado do desgaste do paternalismo.

Há que se escolher perpetuarmos a nossa tradição respeitosa, silenciosa, introspectiva. Ou continuarmos com a sinceridade maldita e obtusa que destrói a hipocrisia e ataca, assim, as todas poderosas instituições da família e do casamento. Seria a batalha final da voz versus o silêncio. É a famosa e inevitável globalização...