17 de outubro de 2007

A FALTA DA SAUDADE

Dentre estas muitas reflexões que atingem um pretenso pensador como este cronista, houve a elaboração de um pensamento inspirador. Disse eu a um amigo: toda atitude consciente de um ser humano tem a sua lógica, sua razão de acontecer. Por mais que tal ato nos fira a consciência, nos ultrapasse o limite da compreensão. Inicialmente foi apenas uma inflexão, mas depois me peguei pesando, ponderando a respeito de tal vicissitude. O ditador, o político, o ladrão, a prostituta, todos possuem sua lógica para exercerem seu ofício com credulidade. Sem isso não há mundo, não há atitude humana.

Assim, infelizmente, é o brasileiro. Desde que nos damos por criaturas, desde priscas eras nos acostumamos com um modo de vida onde impera a astutez, o trabalho fácil, o autobenefício a qualquer preço. O brasileiro, desde a invasão dos portugueses, sempre se viu circundado por um mar de lama asqueroso e, nascido ali, tornou-se tão abjeto quanto o seu ambiente. O ambiente tem o poder insofismável de influenciar o sujeito, apesar de haver aqueles desgarrados que procuram serem ovelhas brancas no país da falcatrua.

Mas não é sobre isso que pretendo falar. Aliás, creio já ter causado abjeções nos amigos leitores com esses parágrafos supras. Se sim, paciência, paciência. Apenas peço que me leiam até o fim, pois quero falar sobre João Guimarães Rosa, o mineiro que revolucionou a língua portuguesa, o estilístico incompreendido até nos dias de hoje. Um artista do garbo e competência de João Guimarães Rosa não ganhou o Nobel de Literatura. Amigos, os gênios mais injustiçados do mundo foram Dirceu Lopes e Guimarães Rosa. O primeiro, craque de futebol da década de 60 que nunca foi a uma Copa do Mundo. O segundo, o gênio inexcedível que criou não apenas Diadorim e o burro pedrês, mas criou uma nova língua utilizando recursos infindáveis da própria língua portuguesa.

A literatura rosiana produziu a verdadeira novilingua – conjeturada por Orwell em 1984, o livro. Tamanha a genialidade de João Guimarães Rosa, que era capaz de averbar substantivos e fazê-los simples. Reproduzir a língua falada pelo sertanejo e torná-la nobre. No entanto, hoje existe um fenômeno que os especialistas estão chamando de renovação evolutiva da língua. O “internetês” é um dialeto sobejamente utilizado pelas comunidades virtuais, pelos moiséses subdesenvolvidos que insistem em parlar para um Michelangelo imaginário.

Vejam que as novas formas de comunicação, além de fazerem apologia a literatice, estão contribuindo para a formação da sociedade do novo século. Uma sociedade de solitários que contemplam o próprio isolamento como uma forma de defesa contra o caráter invasivo que o mundo virtual possui. Outro dia um amigo me veio com uma pesquisa que afirmava que o homem virtual é muito mais sociável do que aqueles que não possuem acesso à Internet. Há que se ponderar. Atualmente é muito mais simples encontrar pessoas, estabelecer networkings, trabalhar em casa. Sim, mas eu vos pergunto: e o olho no olho, e a cor do sorriso onde ficarão?

Posso parecer um tanto saudosista, melancólico. Mas, afirmo, as velhas novidades dos meios de comunicação vão exterminar um sentimento o qual eu considero bastante salutar: a saudade. Sem a distância, sem a saudade não há amor possível. O excesso de contato apenas contribui para a putrefação de um relacionamento. Os amores mais duradouros e intensos são os de raros e escassos encontros. Em contraponto, hoje há uma gana por proximidade, por contatos diários e intermináveis pelo celular, por mensagens de bom dia. Estão destruindo o ser humano em sua essência mais fugaz: a solidão.