2 de dezembro de 2007

REFLEXÕES SOBRE A BELEZA.

O desenvolvimento cultural de um país pode se medir pelo número de sebos. Não consigo citar nada que seja mais importante para um povo que um sebo. Nem hospitais, escolas, polícia, nada supera esses estabelecimentos geralmente mal iluminados, empoeirados e idiossincráticos aos seus donos. Conheci outro dia o dono de um sebo. Tinha a cultura livresca estampada nas olheiras profundas. Sua roupa cheirava a baratas naftalinadas e a poeira se acumulava em seus ombros e se impregnava nos olhos. Foi no sebo desse senhor que encontrei uma obra longe de ser uma raridade, mas que me espantava pelo título: “A Ditadura da Beleza”. O autor é Augusto Cury, um conhecido escritor de livros de auto-ajuda. Não li o livro, nem o comprei – esse gênero literário é desprezível. Mas o título me chamara à atenção sobremaneira.

O assunto que parte dessa frase é de uma profundidade considerável. Vivemos hoje uma disseminação de conceitos de beleza, onde se determina o tamanho dos seios, os traços do rosto, o formato dos dentes. Creio que nunca na história, desde o renascentismo, se preponderou tanto aquilo que é considerado belo. O assunto realmente parece estar em voga. Até mesmo o Umberto Eco, o homem do Nome da Rosa, lançou outro dia a História da Feiúra.

A questão que soa em trombetas, estampa garrafalmente os jornais é: o que podemos considerar feio e belo? Temos todo um referencial herdado da cultura Greco-romana. Mas hoje há uma desvirtuação sobre os conceitos de beleza. As mulheres pretendem se encher de almofadas siliconadas para sentirem-se mais atraentes. Mal sabem elas que a sinceridade de um seio natural é de uma importância divina. Não acredito na mulher que se altera. Aquela que pinta o cabelo já se dilacera para a eternidade. Conheço mulheres que perdem trechos de vida preciosos para se pintarem, alterarem sua humanidade. Aquelas que põem silicone nos seios, então, abrem uma cicatriz dolorida na alma. Jamais serão humanas novamente. Bem aventuras as meninas que, desde cedo, se livram dessas obsessões ignóbeis e mantêm sua originalidade.

Acredito que a ditadura da beleza ainda fará muitas vitimas e provocará o extermínio das nossas essências fugazes. Os considerados e consagrados como belos pela sociedade, possuem muitas portas escancaradas, no entanto nada, em absoluto, existe graças ao que se é como pessoa, mas sim pelo que se aparenta ser. Acredito que os belos são os mais suscetíveis ao suicídio, pois o vazio que a nata de suas belezas pode provocar no seu ser, faz com que qualquer brisa mínima o empurre do alto dos prédios.

Eu me admito feio. E o faço sem qualquer melancolia, mas com resignação. Não creio que isso possa determinar o caráter de qualquer pessoa, mas é de uma concretude paulistana que o feio é condenado a arrombar portas, estripar rinocerontes todos os dias para chegar onde pretende. Isso torna o feio talvez não mais feliz, porém mais completo enquanto pessoa. Ao belo resta estampar sua paisagem pelas ruas, escritórios e capas de Caras para que o mundo se genuflexa.

Hoje eu queria falar sobre Nelson Rodrigues, mas confesso que me distraí com o assunto. Fica para a próxima.