2 de abril de 2007

A ADORADA VILÃ

Sempre que eu saio do trabalho e caminho para casa, vejo no trajeto um casal de namorados jovens em beijos sípidos, estalantes. Ali os hormônios pululam hieráticos, sem qualquer pudor. Curioso é que eles ficam sempre de pé no mesmíssimo lugar, perto de um ponto de ônibus, avexando madames pudentas que esperam a condução. Eu nem faço idéia de como é o rosto desses sexuados de rua. Esses beijos tão obscenos de hoje em dia me fazem lembrar dos cachorros no cio que se colam na rua para a reprodução. Hoje a crônica está lírica, romântica, não concordam? Caso não, vou me redimir e falar sobre um caso de amor diferente.

Trata-se, meus caros, do amor vitalício entre o brasileiro e a televisão. Não existe relação mais sincera e afetuosa como a do nosso povo com a programação das redes de TV. A esposa é capaz de negligenciar o marido e até mesmo os filhos para não perder o capítulo da novela das 21 horas. E o homem se esparrama como um tapete de urso no sofá tendo como companheiro fiel e inarredável o controle remoto.

Lembro-me de um amigo da família que ao assistir o Jornal Nacional respondia o Cid Moreira a cada “Boa noite”, num salmo responsorial não menos sagrados que o “Amém” que respondia ao padre nas missas de domingo. A TV de fato é um membro da família, é o grande irmão conjeturado por Orwell na sua obra “1984”, é a teletela que inclusive introduz a novilíngua.

Alguns críticos dirão que a televisão é a responsável pela alienação do nosso povo, o atraso dos nossos analfabetos. Pois eu acredito que há aqui uma relação especular inevitável. A TV é a nossa imagem e semelhança. Mas eis onde pretendo chegar: há nesse caso de amor uma vilã malévola, pior que Odete Roithman e Perpétua unidas e sedentas por vingança. Trata-se da Rede Globo de Televisão.

Este canal foi erigido pelo finado Roberto Marinho com intenções de ser uma televisão que entraria na casa de todos os brasileiros. E para isso, o nosso Marinho não mediu esforços e nem se importou com escrúpulos. Fez alianças e aliados políticos e sempre esteve ao lado do governo. Onde há o poder, está a tevê global. Outro dia tive a oportunidade de assistir o documentário produzido no início da década de 90 pela Rede BBC de Londres sobre o patriarca Marinho e seu império da comunicação. Sim, se pretendem saber, esse documentário motivou esta crônica por vós lida, meu caro leitor.

Mas eis que essa obra cinematográfica haveria de ser exibida nas praças públicas das cidades, nos estádios de futebol, antecedendo os shows de axé. O povo precisa tomar conhecimento sobre os bastidores dessa rede de tevê que manipulou e permanece nesse jogo maquiavélico para dominar as cabeças e opiniões dos brasileiros. Vejam que no documentário, rodado em 1993, há uma entrevista curiosa onde o nosso hoje glorioso presidente Lula ataca indecorosamente o império global, atribuindo a ela a sua derrota na eleição de 1989. E hoje, percebam como as mesmas figuras: Globo e Lula, se adoram, se cativam. Logicamente os tempos mudaram e os interesses, contudo, se travestiram com o interesse sobre o lado do poder.

O caso Collor foi a demonstração mais solene do poder de manipulação da Rede Globo. O político que era um mero governador de Alagoas, sem qualquer notoriedade nacional, se tornou um fenômeno de votos logo na sua primeira aparição nacional. Tudo muito bem arquitetado pelas organizações Marinho, que fizeram, inclusive, uma novela sob o título “O Salvador da Pátria”, a qual narrava a aventura de um caipira analfabeto que se tornava prefeito de uma cidade, num prodígio sucesso eleitoral.

Nos novos dias, quem tem a moeda da comunicação no bolso, é capaz de dominar um país. Roberto Marinho não deixa de ser um visionário, pois enxergou esse aspecto muito antes de qualquer brasileiro. Até mesmo de Chateaubriand, que promovia uma comunicação politicamente correta por meio da extinta TV Tupi. A Globo ainda utiliza a força e a qualidade de sua dramaturgia para lhe servir como álibi para a distorção de fatos, a omissão de tantos outros. Quiseram calar o povo no movimento das Diretas, tentaram abafar as denúncias do caso Collor. Mas não há venda que cegue um povo perenemente. E assim, quiçá, veremos a queda do império maquiavélico do finado Marinho.