14 de junho de 2007

RACISMO 3D

Não há nada mais áspero, sofrível na TV brasileira que os pobres debates. Não encontro nesses eventos idéias novas, reflexões do fundo da alma. Atribuo isso à celebrização do idiota. Outro dia li que as palavras, de tão utilizadas, sofrem uma deturpação natural da língua. A palavra celebridade é um caso clássico de estupro semântico. O significado original do termo se refere àquele que é célebre, notável e, por consequência, famoso. Hoje em dia, qualquer ser ignaro que externa suas nádegas diante da TV, é logo convidado a participar dos programas de debates fúteis, superficiais, onde impera o senso comum mais lamentável da sociedade. É o povo na TV, o analfabeto orador e formador de opinião. Sinal dos tempos.

Outro dia estava assistindo o programa do Sérgio Groissmann na madrugada de um sábado insone. Em um dos blocos, abriu-se a discussão sobre uma das grandes polêmicas da atualidade. Novamente temas pretensiosos que são debatidos com uma aridez saariana e a profundidade de um pires. Todavia, gerou polêmica e um mal estar flagrante. Eis que estava presente nos estúdios da Globo um grupo de alunos de uma faculdade do Rio onde só estudam negros. E Groissmann, como um bom mediador, trouxe a baila o assunto sobre a lei que garante aos negros uma cota extra de vagas nas universidades do Brasil. Uma amostra recente da nossa cultura do provisório eterno.

Eis que o debate se formou. Por um lado, alguns artistas, convidados do programa, se colocaram contra a tal lei. Houve argumentos inerentes ao senso comum ao qual eles pertencem – Artistas globais possuem sempre o sabor de uma Coca cola: muito previsíveis – Passaram, então, a palavra para um dos alunos da Universidade. Este sim resolveu quebrar a monotonia dos embates pseudofilosóficos daquele programa. Não transcreverei com uma fidelidade absoluta as palavras do jovem, mas lhes passarei, basicamente, seu raciocínio: “O que o governo vem tentando fazer é corrigir um erro de mais de cem anos, pois com o fim da escravidão, o negro ficou desamparado.” – o ousado rapaz foi ainda mais longe – “Se existe o direito da licença maternidade para as gestantes e o assento separado para os idosos no transporte público, por que não haver vagas exclusivas para negros nas universidades?”.

A verdade está dita e nos esbofeteia a cara. Eu me embasbaquei com a analogia feita pelo jovem. Vejam que ele próprio colocou a sua condição de negro comparada a uma demanda física. Como se a cor de sua pele fosse uma deficiência física, uma condição especial como uma grávida e um idoso. Percebam a que ponto chegou a discriminação racial no Brasil.

O racismo no Brasil existe com toda a força que jamais se pode imaginar. Aqui ainda há um agravante fatal: a hipocrisia. O racismo americano é melhor que o nosso. Assim como em muitos aspectos eles são melhores, o racismo deles é genuíno, aberto, peremptório. Aqui há um sentimento de piedade para com os negros calcada pelo álibi que foi a Lei Áurea que transformou os escravos em relegados das favelas, testemunhas oculares da miséria.

Eis que o astuto, espetacular governo Lula vem buscando a institucionalização do racismo. Ao que indica, quer escrever nas linhas da Constituição o quanto o Brasil é um país racista. As cotas em faculdades e (pasmem) nas empresas para os negros são mais uma tentativa aflita de se remendar a ferida aberta há séculos atrás. O provisório eterno surge novamente com todo o seu aguçado poder de persuadir a todos com um discurso metafórico e lulista.

No mesmo programa foi dito que aquela medida não resolveria, mais amainaria a iniqüidade. Engano ululante. As vagas dedicadas aos negros vão dar ao racismo uma terceira dimensão. Assim, talvez, o nosso racismo saia do armário e se apresente com toda a sinceridade maldita que procuramos maquiar. Se for esse o objetivo da tal lei, tenham a certeza límpida que as universidades se empilharão de protestos silenciosos ou veementes contra os nossos estimados negros. Queimarão marias antonietas imaginárias, promoverão a anti-Lei Áurea, um novo Apartheid.

Posso estar sendo repetitivo – ou pior: onírico. Mas a solução real, consistente para a segregação é uma revolução, uma mudança profunda no ensino público, uma retomada de valores por muitos olvidados: da educação primordial para uma sociedade minimamente digna e merecida de um adjetivo também deturpado: a decência.