30 de julho de 2007

BRASILEIROS LÍQUIDOS E SÓLIDOS

Meus caros leitores, não há duvidas quanto a face multifacetada, variada do brasileiro. Somos um povo eminentemente múltiplo. Todavia, há uma característica capaz de promover a unidade nacional, a coerência parva: Somos o povo que mais exercita a arte de reclamar. Reclamamos dos sapatos aos cabelos. Somos insatisfeitos natos e hereditários. Essa rusga nacional justifica-se na maioria das vezes. Afinal, a deficiência nos serviços públicos, a falta de segurança, o atendimento precário ao consumidor, tudo nos torna uns chatos legítimos e irrefutáveis – vejam, amigos, que eu me incluo nesse panorama. Reclamo como um bom brasileiro.


Ora vejam, não é sobre isso que eu pretendo falar. Queria hoje discorrer sobre fenômenos que acontecem não apenas no nosso país, mas em praticamente todos os povos do mundo. A constante e inconsciente utilização do senso comum. Percebam que ele é quase inevitável. Somos reféns confessos do senso comum. E nele residem os preconceitos e as afirmações sonoramente equivocadas. Trata-se de um inimigo interno quase intransponível.


Creio já ter dito tudo no parágrafo acima. Sim, pois não pretendo aqui ser didático e tampouco auto-explicativo. O que posso fazer agora é ilustrar essa crônica com um exemplo. Uma vaia é uma demonstração de senso comum. Não há acústica mais plástica que uma vaia. Quando Lula foi vaiado na abertura dos jogos Pan-Americanos, o senso comum se encarnou através de uma demonstração em massa. E Lula foi um panaca de babar na gravata. Lembrem-se, a massa é burra, não tem cara, nem personalidade. No entanto, naquele momento, a massa mostrou o quanto é reativa.


Aquela foi a demonstração da insatisfação de um povo contra a pusilanimidade que se abateu sobre o nosso país. Somos hoje um povo sem líder, uma nação deixada ao léu das marés. Dizem que a economia vive um grande momento, nossa moeda está se valorizando em relação ao Dolar – vos pergunto: será mesmo um feito desse governo? Com toda sinceridade, não. Se hoje a nossa economia cresce, foi graças ao impulso dado por governos anteriores. O nosso pobre Lula seria incapaz de promover um crescimento sustentável, tal como ocorre desde a implantação do Plano Real.


Sei que muitos dos meus caros leitores não suportam ler sobre política e economia. Paciência. Eu como um líquido e sólido brasileiro também tenho o direito garantido pelo senso comum de ser um insatisfeito nato e hereditário.

16 de julho de 2007

DIAS PARA A ETERNIDADE

Meus caros, outro dia falei aqui mesmo nesse espaço a respeito das efemeridades do cotidiano. Como são áridos, sofríveis. Como é triste ter apenas o dia corriqueiro para se falar, tal como um peixe e seus microneurônios. Costumo falar que tenho uma memória intra-uterina. Me lembro de fatos passados como se os tivesse vivido. É estranho, mas minhas encarnações passadas devem estar tão frescas a minha mente quanto a lembrança do que eu comi no almoço hoje. Me chamem de louco, pois o normal me ofende.

Não é bem sobre isso que eu pretendo dizer. Apesar de não ser afeito a falar sobre o cotidiano, quero dedicar algumas linhas ao último fim de semana. Ah, não viveu quem não se emocionou nestes dias – ou melhor, não é brasileiro quem não sentiu lá no fundo um orgulho apraz de ter nascido no Brasil. Primeiramente, houve a festa de abertura do Pan Americano do Rio de Janeiro. Evento maravilhoso, sem precedentes no país.

Antológica também foi a vaia ao nosso estimado presidente. Ora, não há demonstração mais legítima de desprestígio a um homem público que a vaia. Cuspam-lhe a cara, mas não o vaiem. Xinga-o de canalha, mas não ensaiem em multidão o apupo maledicente. Eis que Lula foi ruidosamente vaiado por alguns minutos. O suficiente para que se tome a real noção sobre o descontentamento de um povo. O presidente, enrubescido, se negou a falar. Fato que apenas piorou sua já execrada imagem. Menos mal. Poupou-nos de suas palavras desagradáveis, suas metáforas de botequim.

Por si só – Somente por essa vaia – o Pan já é um sucesso absoluto. Pode acabar a água dos vestiários, faltar luz, a segurança falhar. Não importa: o Pan já valeu à pena. Mas nem só de apupos se fez o fim de semana. A vitória da Seleção Brasileira foi, novamente, o motivo maior do resgate da autoconfiança nacional – falo aqui de duas Seleções: a de Vôlei e, claro, de Futebol.

A Seleção de Vôlei foi campeã mundial novamente. Numa doce rotina de vitórias incontestáveis.
Mas a de Futebol, ah essa merece o nosso destempero verbal, nossa elogiosa menção. Amigos, o futebol é o único esporte onde o placar é burro. Nem sempre o vencedor no placar é o vencedor legítimo e irrefutável. Pois eu vos digo: o time do técnico Dunga não é o campeão real. Fez uma Copa América lamentável, com atuações pífias contra adversários fraquíssimos. Por isso foi chegando até a final. Do outro lado, a Argentina jogava o verdadeiro futebol brasileiro, com habilidade e toque refinado.

Mas eis que o Sobrenatural de Almeida – reporto-me a Nelson Rodrigues – resolveu trajar-se com a camisa canarinho, penta campeã do mundo. Sim, ele jogou e jogou muito bem. Empurrou o chute do Julio Baptista para o ângulo do Albondanzieri. Soprou nos ouvidos do Ayala que ele precisava interceptar aquela bola que morreu no segundo gol do escrete. E ainda, fez Elano se machucar para a entrada do desconhecido Daniel Alves, autor do terceiro e definitivo gol brasileiro. Sem contar, que o Sobrenatural resolveu dopar Riquelme e Messi – os argentinos mais fundamentais – para que eles parecessem que haviam comido uma feijoada baiana antes da partida. Venceu a Seleção novamente. Com méritos, é bom que se registre. Teve gana, sangue nos olhos.

Os Argentinos com seu time principal viram ir por terra os planos de vencer a Copa depois de 14 anos e, novamente, para o Brasil. E o pior, um Brasil com um time underground, bizarro, com quatro volantes no meio-campo, com o terrível Vagner Love e um goleiro nada confiável. Sem qualquer ufanismo, esse fim de semana foi mesmo surpreendente. Outro desses, só no próximo eclipse do sol.

9 de julho de 2007

SENHORES, A HONESTIDADE É DEMODÊ

Amigos, me abomina falar sobre o assunto da política no Brasil. Sei que enquanto cronista, não posso me furtar a esse tipo de tema nos meus textos. Mas confesso que preferiria mil vezes falar sobre filosofia, amor, artes, futebol a falar sobre esses senhores que fizeram e fazem da nossa política uma das mais asquerosas do mundo. Tenho pra mim que qualquer manifestação artística deve ser transcendental e por tal, não deve se prender à aridez da sua contemporaneidade. Os grandes gênios artistas o foram assim denominados pela característica atemporal de suas obras. Assim sendo, procuro não me ater sobre assuntos da nossa efêmera atualidade. Sei que a memória do nosso povo é de peixe e, amanhã, nada que eu disser aqui sobre Renan, Marta ou Lula terá algum sentido.

Eis que chego a um ponto mais interessante da minha crônica, mas não decisivo. Outro dia um amigo me relatou que estava a bordo de um trem lotado – praxe dessa megalópole paulistana. E uma senhora (ou seria senhorita) conversava com outrem no mais alto dos tons. Sua voz estava à fronte como uma soprano interpretando Ave Maria de Schubert. Era uma pobre funcionária pública que trabalhava no Serviço de Proteção ao Crédito. Os funcionários públicos possuem a burocracia como seu ofício preferido. Eles se protegem dentro daquele sistema de castas e tentam sempre se furtar a qualquer responsabilidade. O grande mal não é a burocracia, mas quem dela faz uso.

A senhorita – podemos assim convencionar educadamente –, segundo meu amigo, maldizia sobre os pobres endividados com os quais ela tinha de lidar todos os dias. Seu ódio parecia escorrer de sua língua, tal qual uma cobra de Cleópatra, e sua voz se confundia com o rugido os trilhos do trem. Eis que ela bradou: “Quem deve não tem vergonha na cara”. Ela foi olhada e entreolhada por todos os passageiros daquele vagão. Ora ela falava mal do Corinthians no meio da Fiel – ou pior, em pleno Pacaembu em dia de clássico contra o São Paulo, quando os ânimos ficam hiperbolizados.

O companheiro da senhorita ainda tentou contemporizar “cada caso é um caso”. Mas a indiscreta madame não se conteve e ainda reforçou sua intempérie verbal “são um bando de sem vergonhas”. Não houve, contudo, reação alguma por parte dos passageiros que escutavam aquela opereta mal interpretada – e sabem o por quê? Aquela senhorita desfechou uma bofetada na cara de todos que estavam ali. E os pobres, como assim são, foram pudicos demais para admitir suas condições de devedores. É condição natural dos pobres a vergonha, pois a fome é o mais casto dos sentimentos. Na fome não há pecados, tampouco crimes. Nenhuma daquelas pessoas que ali estavam teria a coragem de se levantar do seu assento e revidar o tabefe nas fuças daquela desbocada senhorita.

Eis onde eu pretendo chegar: o brasileiro é um endividado nato e hereditário. Desde que nascemos, já temos nas barras de nossas fraudas boletos para quitarmos. E se não o fizermos, já não se trata mais de uma questão de honra, como outrora. Hoje em dia a inadimplência é moda. Entre a nossa classe média falida e sufocada pela carga tributária sem fim, tornou-se lugar comum ser um feliz destinatário de cartas e mais correspondências nos avisando sobre nossas dividas.

No Brasil, o verdadeiro bobo é aquele Sr. Honestidade, que paga a todos, que procura sempre negociar. O mais curioso é que se se procura negociar uma dívida antes que ela vença, para não sujarmos o nosso patrimônio transcendental que é o nosso nome, somos tratados com descaso. Eles riem de nossa cara. Isto por que existe hoje a indústria da inadimplência, onde o grande negócio é você não pagar e depois negociar os juros astronômicos, retumbantes.

Pobres de nós da classe média. Pobres de nós.