21 de maio de 2007

LESMA NA NAVALHA.

Ultimamente tenho exercitado um lado meu artístico ainda desconhecido para mim mesmo. As poesias sempre me foram um desafio. Eu formulei, certa vez, uma metáfora onde a literatura e as crônicas eram cachorros fiéis, que me vinham e aqui ficavam com sua fidelidade mórbida, até que eu os utilizasse. Já as poesias eram gatos, que percorriam o intelecto e ao menor sinal de desleixo, sumiam no mar dos meus projetos do meu universo paralelo. Para quem ainda não me conhece, saiba que eu construí, desde a minha mais tenra idade, um universo paralelo, onde reside tudo que eu crio e eu também vivo ali, sempre com dois palmos acima do chão.

Sem mais divagar, hoje eu gostaria de falar no artista brasileiro. Esse ser tão espetacularmente criativo e que sofre com o descaso da nossa cultura capitalista. Muito distante da luz da ribalta, existe uma gama de artistas escondidos pela sombra implacável da mídia de massa, da falta de recursos financeiros. Eis uma realidade, se houvesse no Brasil uma cultura de incentivo à arte popular, seriamos tão eruditos quanto os alemães, os franceses.

A realidade, como meu caro leitor bem sabe, não é essa. Hoje para um artista sobreviver com sua arte, precisa negar-se a si próprio, ser aquilo que a mídia demanda. O artista bem sucedido no Brasil é o anti-artista, que consegue sobreviver subsidiado pelos grandes empresários. A cultura televisiva no Brasil apenas contribuiu para a formação de uma elite de intelectualóides, que costumam promover debates mais áridos que três desertos sobre temas que interessam a grande massa, mas o fazem embalsamados por uma inépcia flagrante.

Os verdadeiros intelectuais do Brasil são tidos como transgressores e caçados como boi ladrão. Precisam se travestir no bom senso politicamente correto para conseguirem um lugar no coração do público de presépio. Sim, o público é de presépio, pois apenas reage ao que vê. O intelectual de hoje é tratado com um alienígena com anteninhas de vinil. Todo aquele que demonstra em público alguma erudição é logo taxado de homossexual ou um Napoleão de manicômio.

O artista que pretende ser fiel aos seus preceitos é enxovalhado por abalarem os alicerces das beatas de plantão. Hoje é preciso manter o sorriso amarelo para os figurões que vivem por trás dos grandes meios de comunicação para que se tenha a honra de mostrar sua arte. Em uma canção do Gabriel, o pensador, há uma frase peculiar: “O poeta é a pimenta do planeta”. Pois eu diria que o poeta de hoje não passa de um molho catchup, com sua doçura ácida e insossa de coroinhas das missas matinais de domingo.

O que eu pretendo dizer é que a poluição cultural vai disseminar o nosso povo. Causará mortes mais que o aquecimento global. Não será, todavia, uma morte física, mas sim a morte da alma humana. Tudo o que se verá como arte, será uma cópia carbono do que já foi feito e está mais do que arraigado na programação dos nossos sabores preferidos. Aquele que ousar destoar será espezinhado como barata de cozinha.

Outro dia, foi notícia que o presidente Lula estava presente no show do Chico Buarque em Brasília. Numa demonstração que os brutos analfabetos funcionais também apreciam a arte mais genuína brasileira. Ora, é notória a predileção do Chico pela “causa petista”. Vejam a aproximação de opostos que ocorrem hoje. O artista, intelectual Chico Buarque, que foi uma cabeça pensante da juventude dos anos 60 contra o militarismo, se vê compactuando, indiretamente, com a pornografia asquerosa que ocorre no Congresso. É exatamente o que resulta quando a arte e a política se unem. Um artista deve ser, acima de tudo, um isento, um sorriso, uma lesma que anda sobre o fio implacável de uma navalha e não escorrega, tampouco se divide ao meio. Isto para ser o artista da mídia. Mas o Chico há de poder ser o que bem quiser.

11 de maio de 2007

O CRIME DA CARIDADE

Alguns de meus leitores já me perguntaram o porquê do nome Hiato em Braile. Confesso que em algumas oportunidades fui incompetente na tentativa de me explicar. Deixei-os no vácuo, ou na estranha ilusão de ter compreendido os motivos para eu ter batizado esse espaço com tal alcunha. A explicação não tem um aspecto objetivo, até para que não sejamos idiotas da objetividade. Pois com esse nome eu procurei homenagear os nossos irmãos deficientes visuais. Eles que para interagir com o mundo, necessitam dos demais sentidos, que não a visão. O tato, dessa forma, é a interação mais intima que podemos obter com algo.

Quisera eu poder tocar tudo o que vejo. Pois os amigos cegos possuem nas mãos a comunicação com os olhos do coração. Nós, ditos normais, temos a grande dificuldade de observar a tudo com os olhos físicos. Esse fator dificulta fatalmente a compreensão do mundo. Penso que para melhor compreender as pessoas, o universo é preciso, sobretudo ouvir e tocar. Aquele que consegue perceber o hiato na linguagem braile é um privilegiado, um leitor critico e fugaz do mundo.

Fiz essa introdução meramente alegórica para chegar ao meu assunto obrigatório dessa crônica. Obrigatório porque estamos sendo bombardeados de informações acerca de um evento singular. A visita do sumo pontífice da Igreja católica em São Paulo. Fato esse que contribuiu para aumentar o caos de uma cidade despreparada para os grandes acontecimentos. Costumo falar a alguns amigos que São Paulo é a terra da garoa, onde um mero chuvisco nos apresenta o que é o destino inacessível.

Eis que me aproximo ao meu objetivo. Vejam que eu me preparo e também a você, meu caro leitor, para o que pretendo dizer. A igreja católica está caquética, com preceitos e conceitos retrógrados, que estão em rota de iminente colisão com as demandas da sociedade. Não cabe mais discutir a importância do uso do preservativo, tampouco dissertar sobre a castidade pré-matrimonial. Creio que seja um momento da igreja se ater com mais intensidade sobre assuntos mais urgentes e ululantes da atualidade, como o trabalho escravo, a destruição do planeta e da raça humana, a prostituição infantil.

Alguns hão de me objetar, dizendo que há sim uma discussão sobre tais temas. Mas a igreja o faz sem qualquer profundidade, com uma distância aristocrática e soberba. Aliás, essa é uma característica da maioria das religiões: há exacerbo na filosofia e uma escassez de ação. A força que possui o catolicismo, com seus muitos tentáculos dentro da sociedade, não permite a omissão, ou mesmo, que se seja apenas retórico a respeito das mais prementes questões humanas. Os sacerdotes haveriam de prestar serviços sociais, uma vez que são sustentados por ela. Deveriam partir para o meio da floresta para auxiliar no plantio de novas mudas para a Mata Atlântica, ou mesmo participar de movimentos sociais para extinguir o trabalho escravo.

Se há esse tipo de ação por parte dos sacerdotes, estes são como uma ilha cercada de pusilanimidade por todos os lados. Este assunto me faz lembrar de um dos personagens notívagos que eu criei. (notívagos, porque foram concebidos nas madrugadas insones). Eis que se trata de um padre que foi evangelizar em uma cidade pequena no nordeste brasileiro. Lá onde a miséria é um conceito tangível, irmã de todos. Este sacerdote realizava também trabalhos de assistência social, mas a falta de recursos era gravíssima. Numa atitude insana, o padre resolve leiloar todo o ouro que estava crivado nas paredes da igreja barroca, onde ele realizava o culto. Isto num intento de ajudar aquele povo que rezava com a barriga vazia diante do altar dourado em 18K. A conseqüência desse ato comunista só poderia ter sido um: o padre foi preso, excomungado e ficou na cadeia ao lado de assassinos e ladrões que, assim como os seus fiéis, foram vítimas da iniqüidade social. Mas esse padre procurou reagir, moveu-se, só esse fato já o permite a lívida eternidade.