11 de maio de 2007

O CRIME DA CARIDADE

Alguns de meus leitores já me perguntaram o porquê do nome Hiato em Braile. Confesso que em algumas oportunidades fui incompetente na tentativa de me explicar. Deixei-os no vácuo, ou na estranha ilusão de ter compreendido os motivos para eu ter batizado esse espaço com tal alcunha. A explicação não tem um aspecto objetivo, até para que não sejamos idiotas da objetividade. Pois com esse nome eu procurei homenagear os nossos irmãos deficientes visuais. Eles que para interagir com o mundo, necessitam dos demais sentidos, que não a visão. O tato, dessa forma, é a interação mais intima que podemos obter com algo.

Quisera eu poder tocar tudo o que vejo. Pois os amigos cegos possuem nas mãos a comunicação com os olhos do coração. Nós, ditos normais, temos a grande dificuldade de observar a tudo com os olhos físicos. Esse fator dificulta fatalmente a compreensão do mundo. Penso que para melhor compreender as pessoas, o universo é preciso, sobretudo ouvir e tocar. Aquele que consegue perceber o hiato na linguagem braile é um privilegiado, um leitor critico e fugaz do mundo.

Fiz essa introdução meramente alegórica para chegar ao meu assunto obrigatório dessa crônica. Obrigatório porque estamos sendo bombardeados de informações acerca de um evento singular. A visita do sumo pontífice da Igreja católica em São Paulo. Fato esse que contribuiu para aumentar o caos de uma cidade despreparada para os grandes acontecimentos. Costumo falar a alguns amigos que São Paulo é a terra da garoa, onde um mero chuvisco nos apresenta o que é o destino inacessível.

Eis que me aproximo ao meu objetivo. Vejam que eu me preparo e também a você, meu caro leitor, para o que pretendo dizer. A igreja católica está caquética, com preceitos e conceitos retrógrados, que estão em rota de iminente colisão com as demandas da sociedade. Não cabe mais discutir a importância do uso do preservativo, tampouco dissertar sobre a castidade pré-matrimonial. Creio que seja um momento da igreja se ater com mais intensidade sobre assuntos mais urgentes e ululantes da atualidade, como o trabalho escravo, a destruição do planeta e da raça humana, a prostituição infantil.

Alguns hão de me objetar, dizendo que há sim uma discussão sobre tais temas. Mas a igreja o faz sem qualquer profundidade, com uma distância aristocrática e soberba. Aliás, essa é uma característica da maioria das religiões: há exacerbo na filosofia e uma escassez de ação. A força que possui o catolicismo, com seus muitos tentáculos dentro da sociedade, não permite a omissão, ou mesmo, que se seja apenas retórico a respeito das mais prementes questões humanas. Os sacerdotes haveriam de prestar serviços sociais, uma vez que são sustentados por ela. Deveriam partir para o meio da floresta para auxiliar no plantio de novas mudas para a Mata Atlântica, ou mesmo participar de movimentos sociais para extinguir o trabalho escravo.

Se há esse tipo de ação por parte dos sacerdotes, estes são como uma ilha cercada de pusilanimidade por todos os lados. Este assunto me faz lembrar de um dos personagens notívagos que eu criei. (notívagos, porque foram concebidos nas madrugadas insones). Eis que se trata de um padre que foi evangelizar em uma cidade pequena no nordeste brasileiro. Lá onde a miséria é um conceito tangível, irmã de todos. Este sacerdote realizava também trabalhos de assistência social, mas a falta de recursos era gravíssima. Numa atitude insana, o padre resolve leiloar todo o ouro que estava crivado nas paredes da igreja barroca, onde ele realizava o culto. Isto num intento de ajudar aquele povo que rezava com a barriga vazia diante do altar dourado em 18K. A conseqüência desse ato comunista só poderia ter sido um: o padre foi preso, excomungado e ficou na cadeia ao lado de assassinos e ladrões que, assim como os seus fiéis, foram vítimas da iniqüidade social. Mas esse padre procurou reagir, moveu-se, só esse fato já o permite a lívida eternidade.

Um comentário:

iQue disse...

ALELUIA IRMÃO PC!!!

Conrdado, lendo "Empreendedorismo Social" do Francisco P. de Melo, faz meu caixa 2, enquanto não temos a lei do cão a nosso favor, da propaganda e exposição igual a todos os candidatos a benfeitores reais dessa sociedade abandonada!!!

abraço