Não há nada mais áspero, sofrível na TV brasileira que os pobres debates. Não encontro nesses eventos idéias novas, reflexões do fundo da alma. Atribuo isso à celebrização do idiota. Outro dia li que as palavras, de tão utilizadas, sofrem uma deturpação natural da língua. A palavra celebridade é um caso clássico de estupro semântico. O significado original do termo se refere àquele que é célebre, notável e, por consequência, famoso. Hoje em dia, qualquer ser ignaro que externa suas nádegas diante da TV, é logo convidado a participar dos programas de debates fúteis, superficiais, onde impera o senso comum mais lamentável da sociedade. É o povo na TV, o analfabeto orador e formador de opinião. Sinal dos tempos.
Outro dia estava assistindo o programa do Sérgio Groissmann na madrugada de um sábado insone. Em um dos blocos, abriu-se a discussão sobre uma das grandes polêmicas da atualidade. Novamente temas pretensiosos que são debatidos com uma aridez saariana e a profundidade de um pires. Todavia, gerou polêmica e um mal estar flagrante. Eis que estava presente nos estúdios da Globo um grupo de alunos de uma faculdade do Rio onde só estudam negros. E Groissmann, como um bom mediador, trouxe a baila o assunto sobre a lei que garante aos negros uma cota extra de vagas nas universidades do Brasil. Uma amostra recente da nossa cultura do provisório eterno.
Eis que o debate se formou. Por um lado, alguns artistas, convidados do programa, se colocaram contra a tal lei. Houve argumentos inerentes ao senso comum ao qual eles pertencem – Artistas globais possuem sempre o sabor de uma Coca cola: muito previsíveis – Passaram, então, a palavra para um dos alunos da Universidade. Este sim resolveu quebrar a monotonia dos embates pseudofilosóficos daquele programa. Não transcreverei com uma fidelidade absoluta as palavras do jovem, mas lhes passarei, basicamente, seu raciocínio: “O que o governo vem tentando fazer é corrigir um erro de mais de cem anos, pois com o fim da escravidão, o negro ficou desamparado.” – o ousado rapaz foi ainda mais longe – “Se existe o direito da licença maternidade para as gestantes e o assento separado para os idosos no transporte público, por que não haver vagas exclusivas para negros nas universidades?”.
A verdade está dita e nos esbofeteia a cara. Eu me embasbaquei com a analogia feita pelo jovem. Vejam que ele próprio colocou a sua condição de negro comparada a uma demanda física. Como se a cor de sua pele fosse uma deficiência física, uma condição especial como uma grávida e um idoso. Percebam a que ponto chegou a discriminação racial no Brasil.
O racismo no Brasil existe com toda a força que jamais se pode imaginar. Aqui ainda há um agravante fatal: a hipocrisia. O racismo americano é melhor que o nosso. Assim como em muitos aspectos eles são melhores, o racismo deles é genuíno, aberto, peremptório. Aqui há um sentimento de piedade para com os negros calcada pelo álibi que foi a Lei Áurea que transformou os escravos em relegados das favelas, testemunhas oculares da miséria.
Eis que o astuto, espetacular governo Lula vem buscando a institucionalização do racismo. Ao que indica, quer escrever nas linhas da Constituição o quanto o Brasil é um país racista. As cotas em faculdades e (pasmem) nas empresas para os negros são mais uma tentativa aflita de se remendar a ferida aberta há séculos atrás. O provisório eterno surge novamente com todo o seu aguçado poder de persuadir a todos com um discurso metafórico e lulista.
No mesmo programa foi dito que aquela medida não resolveria, mais amainaria a iniqüidade. Engano ululante. As vagas dedicadas aos negros vão dar ao racismo uma terceira dimensão. Assim, talvez, o nosso racismo saia do armário e se apresente com toda a sinceridade maldita que procuramos maquiar. Se for esse o objetivo da tal lei, tenham a certeza límpida que as universidades se empilharão de protestos silenciosos ou veementes contra os nossos estimados negros. Queimarão marias antonietas imaginárias, promoverão a anti-Lei Áurea, um novo Apartheid.
Posso estar sendo repetitivo – ou pior: onírico. Mas a solução real, consistente para a segregação é uma revolução, uma mudança profunda no ensino público, uma retomada de valores por muitos olvidados: da educação primordial para uma sociedade minimamente digna e merecida de um adjetivo também deturpado: a decência.
5 comentários:
A condição social em que se encontra o negro atualmente é uma questão histórica, fator desencadeado a pouco mais de um século e não fruto exclusivo do racismo.
Preconceito sempre vai existir, mas isso nunca poderia partir do governo. Colocar o negro como um coitado que precisa ser amparado não vai resolver o problema.
Querem garantir cotas em empresas, funcionalismo público.
Se tentarmos enxergar com essa visão do governo, o que será do Branco Pobre?
Desamparado pela falta de recurso e pela cor de sua pele?
É uma nova forma de Apharteid?
Podem entrar nas universidades Ricos e Negros. Outras etinias com poucos recursos não podem!
Isso que o jovem disse foi desencadeado pela intensa publicidade feita tanto pelo governo como por grupos racistas criados em sua maioria por próprios negros.
Revistas especializadas, sites "exclusivos", programas de TV, músicas que defendem a Cor Negra.
Não é ser hipocrita demais?
Quantas vezes eu ouvi:
"Nós negros somos vitima de racismo, temos que nos unir para defender a nossa raça, a nossa cor!"
Defender a raça,a cor e unir todos da mesma cor é racismo.
Acredito que o discurso ideal seria:
"Vamos TODOS lutar para acabar com o preconceito e o racismo, ninguém é melhor de ninguem, seja negro, branco, japonês, homem, mulher, heterosexual, homosexual, bisexual, catolico, evangelico, umbandista, ateu, ou qualquer etinea, orientação sexual, religião ou forma de pensar"
Viva a igualdade ( a verdadeira)
Questão tão polêmica quanto insolúvel. E para qualquer lado que olhemos. Primeiramente, gostaria de tentar desmitificar a visão de que tudo de ruim é mais ruim no Brasil. Os programas de reality show (nada mais fútil, na minha visão) são sucessos em muitos países com altas índices de Educação.
Não sei se é o camnho conformista o que reflito, mas uma coisa é fato e que permeia não só os debates, mas as demências dos povos: "a natureza humana".
Com relação à questão das cotas, penso que tentam consertar um erro com outro. Não é dando, não é criando guetos que se resolve esta questão. As pessoas de todas as cores devem estar capacitadas e terem condições para adquirirem sas necessidades.
Para mim, tudo começa na educação, na cultura, nos lares, nas escolas. É um processo cultural que não se resolve por decreto ou projeto de lei. afinal, preicsaria de uma lei para que eu me levantasse num coletivo e cedesse o lugar para um idoso ou uma grávida? Precisaria de uma lei para que eu não jogasse papel no chão? Precisaria de uma lei para que eu tivesse senso crítico de honestidade? Precisaria de uma lei para que eu fosse mais bondoso e misericordioso com os menos afortunados? Na verdade, a maior lei que tive foi dada pelos meus pais na minha infância. Seu eu fosse negro, usaria minhas armas legais para diminuir as diferenças sociais, para que um mínimo de descência para todos. Brigaria para oportunidades iguais, ainda que com resultados diferentes, pois somos todos iguais e diferentes ao mesmo tempo. MAs bou branco! E dentro de minha alvidez, faço a mesma coisa. Tento tratar a todos sem distinção! Ah!Mas eu sou branco! Assim não vale!
Gerson
CONGRADULATIONS!!!!
excelente texto, e concordo em genero, numero e degrau!!!
sou contra racismo, qualquer outra forma de preconceito... o Brasil sofre de um grande problema (falta da) educaçao... nao se tem boa educaçao no ensino fundamental, e na hora da faculdade, coloca cotas para negros, como se isso resolvesse o problema... e todos caem igual patinhos....
aff nem tem o que comentar.... isso me revolta profundamente....
Grande PC! Sempre nos presenteando com bons textos! Boas idéias!
Parabéns!
Paulo, meu camarada, discordo de ti em alguns pontos. A questão das cotas eu encaro como uma necessidade lógica. Os negros merecem sim uma retratação histórica, pois esse mesmo sistema os empurrou - como vc mesmo disse - para as favelas tem a obrigação de se retratar com eles. Não se trata de fundamentar o racismo. Creio que num país como o nosso, miscigenado por natureza, nunca chegaremos a brutalidade estúpida dos EUA, e sua Klu Klux Kla e suas leis de segregação! Sobre o Sérgio, eu li certa vez que as perguntas feias pelas platéia são distribuídas anteriormente pela produção - há, inclusive, várias declqarações do Picolé de Chuchu Groismam sobre isso! O que só prova que não há debate legítimo nenhum ali! Concordo, no entanto, que uma revolução na educação seja o primordial! Abraços para ti!
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