30 de agosto de 2007

QUEM TEM MEDO DA CHINA?

Amigos, há na vida poucas definições transcendentais. Uma destas formulei já faz um tempo. Certa vez, num grupo de amigos, decretei: a matemática é uma ciência burra. Alguns olhos arregalados me fitaram e se entreolharam. Tratei de me explicar. A matemática que os jovens estudam é burra, pelo simples fato de se prender ao imperialismo das fórmulas. Algumas delas são de uma inutilidade atroz. Sou incapaz de esquecer, certa vez, quando numa prova de matemática, para a qual eu não havia estudado, e decidi usar a lógica para resolver. No momento em que eu recebi a nota, para a minha surpresa, os resultados em que eu havia chegado estavam certos, mas o professor validou apenas metade das questões, pois eu não havia utilizado as fórmulas. Percebam a atitude ignara de um mestre.

Por essas, me enveredei pelo mundo das letras e ciências humanas. A pena disto é que me considero um analfabeto matemático. Aprendi somente o indispensável, para conseguir sair do colegial. Mas não é sobre isso que eu pretendo falar. Há um fenômeno que vem ocupando as áridas discussões televisivas, e também as famigeradas páginas das revistas de negócios. Isto por que existe uma linha de profetas do acontecido que teimam em predizer: A China dominará o mundo.

Ora, meus caros, não há ser vivente nesse mundo que me convença disso. Vocês podem objetar: “mas e a taxa, a taxa de crescimento dos chineses”. Repito, a China é, de fato, um fenômeno de marketing. Eles vêm crescendo sim, mas nas paginas de revistas ditas importantes, nos noticiários dos jornais, no jogo de palavras dos economistas. Não creio no domínio chinês, e argumento – eles não resistirão por muito tempo aos apelos humanitários que hão de flagelar o método chinês de trabalho. Lá a escravidão é algo banal, uma praxe para as fábricas e indústrias.

Já escutei alguns amigos declamarem que se trata de uma questão cultural. Os chineses já nascem para o trabalho e não se importam com as condições para o mesmo. Pois eu redarguo: à medida que a China vai avançar para o mundo, o mundo vai avançar para a China. O povo daquele país há de se ver seduzido pelos pecados capitais e, como humanos que são, vão adquirir a consciência que aquela vida não lhes satisfazem. O capitalismo há de corromper a China, assim como já corrompe um santo encerrado em seu caritó. Eis que quando isso ocorrer será o fim de mais um tigre asiático, pois a China é tão competitiva, tão agressiva, graças a sua mão-de-obra gratuita.

Tenho a míope impressão que Mao-Tsé-Tung se revira no profundo da sua sepultura quando esses profetas que insistem em colocar a China como uma potência econômica. Pequim há de ser palco da revolução que se aproxima daquele povo. As marias antonietas imaginárias serão decapitadas, as fábricas idealizadas para os subumanos trabalharem serão incineradas. O povo chinês vai protestar pelo direito de comer Big Mac e beber Coca cola. A sereia capitalista vai declamar seu canto fatal. E será o fim do mito.

Esse exercício de futurologia eu o faço sem base em números ou estatísticas. Até por que não serei de tamanha incoerência. A matemática, os indicadores, objetam contra minhas conjeturas. Mas, com toda sinceridade, não acredito na frieza siberiana de dados estatísticos. Acredito muito mais na natureza humana que há de ser reacionária o suficiente para derrubar mais esse paradigma que teima em se manter como incontestável.

22 de agosto de 2007

DEVO SER UM ZUMBI POETA

Há no mundo coisas absolutamente incompatíveis. Ou o homem deve e é bom pagador, ou ele é um artista. Não existe arte que resista ás questões financeiras. O dinheiro, na sua racionalidade atroz, é capaz de destruir qualquer criação da alma humana. Há, dessa forma, uma contramão, duas propriedades que vão de encontro. No mesmo instante, existe também a corrente que diz: o dinheiro é que sustenta a arte. Até pode ser uma realidade, mas há um engano escondido nessa ideologia. Geralmente, os grandes artistas são desprendidos do materialismo obsessivo que permeia o mundo dos negócios. No entanto, eles conseguem a realização financeira de uma forma natural, por que são grandes, têm estrela.

Fiz toda essa introdução argumentativa, porque gostaria de falar hoje do maior artista vivo do Brasil. Falo de Chico Buarque de Holanda. Um homem que conseguiu ser um fenômeno absoluto no nosso país. Não falo aqui sobre vendas de discos ou público em shows. A arte e a qualidade do artista não se medem, em absoluto, por números frios, cifras áridas. Existe um equivoco desproporcional no mundo do entretenimento, sobretudo aqui no Brasil. Costuma-se relacionar a qualidade do programa de TV, do artista, pela quantidade de pessoas que atrai, pelo dinheiro que se fatura.

Dessa analogia é que surgem produtos absolutamente lamentáveis, como reality shows, novelas que nos dão a impressão de um deja vu a todo o momento, melodias e canções tétricas como funks, axés e outros bichos. A contra cultura de massa é a mais absoluta degradação da qualidade dos produtos culturais.

Essa putrefação cultural guarda perspectivas ainda mais cruéis. Exemplo disso é o próprio Chico Buarque de Holanda. Quando surgiu para o mundo artístico, o jovem Chico era conhecido como um promissor cantor/compositor da música popular brasileira. Gênero musical que era recebido com um esgar de soberba pela elite cultural do Brasil. De fato era música para o povo, para o operário e a dona-de-casa. Vejam que hoje a generalizada MPB está elitizada. Hoje o público que escuta as canções do Chico Buarque de Holanda é considerado cult. Tal como a história é cíclica, me leva ao seguinte raciocínio: daqui a 20 anos, o popular de hoje será produto de elite. Os funkeiros serão elevados a intelectuais, poetas. E o fato ainda mais terrível eu ainda não foi dito: fico imaginando o lixo que virá para ocupar o playlist dos jovens da próxima geração.

Mas eu falava de Chico Buarque de Holanda. Ele que apesar das pressões da cultura de massa, se impõe com sua qualidade, sua poesia. Eu conheci Chico Buarque de Holanda tardiamente. Me fora apresentado em sua plenitude pelo amigo cineasta e músico Tiaraju Aronovich. Antes eu já apreciava Chico, porém apenas aquelas canções que permeiam o imaginário popular e são obrigatórias. Fui tomar gosto sobre a obra de Chico Buarque de Holanda por completo bem depois, recentemente.

Chico Buarque de Holanda pode se dar ao luxo de lançar álbuns esporádicos, evitar a super exposição na mídia e ainda assim permanecer nas nossas memórias. Minhas reflexões sobre Chico Buarque de Holanda caminharam para o seu estilo de vida. Ele é um dos poucos da sua geração que ainda gozam do privilégio de viver de arte, fazer disso o seu ofício mais prestimoso. Confesso ser esse o meu sonho mais antigo e profundo. Apesar de muitos fatores externos contribuírem contra, eu ainda teimo em segui-lo com alguma sagacidade.

Num país onde a imensa maioria é de desinformados virtuais, onde as mensagens curtas ancoradas em imagens são as primeiras lidas – e também as primeiras esquecidas, devido a sua efemeridade – ser escritor é ser um contraventor, quase um alienígena. Às vezes me aventuro a convidar alguns amigos a visitarem esse meu espaço virtual, para que eles possam ler as minhas idéias e compartilha-las comigo, e, ora por vez, recebo as respostas “Depois vou ler com calma” ou pior “Tenho que ler tudo isso?”.

Vejam amigos, o que a cultura do imediatismo, das mensagens passageiras está fazendo com o cérebro do nosso povo. Quando esses amigos terão calma e paciência para me ler, sinceramente não sei. Creio que nunca. Mas assim como Chico Buarque de Holanda quero perseguir esse sonho com voracidade. Sei que posso ser perseguido, negligenciado como um boi ladrão. Todavia é necessário. Se terei reconhecimento, honestamente, não sei. Duvido, inclusive. Até por que, escritor famoso no Brasil, é escritor morto. Numa analogia, todo escritor deveria ser um morto-vivo, um zumbi poeta, recitando versos para um coruja aboletada no muro sombrio de um cemitério.

6 de agosto de 2007

ODE AO PALAVRÃO

Meus caros, hoje pretendo contar um segredo pra vocês. Nunca nenhuma crônica, que eu me advirto a escrever, começa por um título. Até por que, meus textos são para mim um grande mistério. Quando começo a escrever, não tenho idéia do que sairá. Tantas e tantas vezes já me vi diante de uma folha de papel em branco, e ele ali a me desafiar a preenchê-lo de idéias revestidas de palavras. Assim, o título vem como um complemento, com o qual pretendo resumir a essência do texto em uma frase apenas. Bom exercício para um publicitário que trabalha fora de sua atividade escolhida na academia.

Pois desta feita, o título me veio antes. Anterior até a si mesmo. Pois não quero ser desonesto com o leitor. O título é apenas a verbalização da idéia tropo. Nada surge sem a participação de nossas memórias alegóricas. Creio que muitas obras imortais surgiram desde a sucintes de um mero título – Guimarães Rosa, tenho a míope impressão, concebeu sua obra máxima através do título. O “Grande Sertão: Veredas” era tão somente um nome, a junção de palavras, e foi o start dessa obra absoluta e pictórica. Mas vejam, amigos, não pretendo aqui discutir o processo psicológico da criação. Até por que ela é múltipla, irisada, relativa.

Abro agora o terceiro parágrafo e finalmente chego onde eu pretendo. Não há atalho mais útil, indispensável para os nossos dias que o palavrão. Ele está presente no ressoar da concha acústica dos bares, avenidas, escritórios. O palavrão possui toda uma função fisiológica, onde expurgamos todo o amargor, a ira dos dias afins. As más palavras ainda nos servem como protesto, transgressão. A fuga dos protocolos que buscam engessar os nossos dias.

Sei que muitos hão de objetar. Paciência. Sobretudo as beatas plantonistas hão de rechaçar as minhas idéias. Mas como, um pretenso escritor, cronista, dramaturgo pode fazer apologia às palavras mal educadas? Pois eu vos digo: não é feliz quem, ora por vez, não profere um palavrão. E ainda acrescento: desconfie da polidez alheia. Quem não explode em um impropério verbal de vez em quando – nem que seja trancado num porão escuro – pode estar a um passo da erupção e sacar uma arma com tiros para todos os lado

Há nas artes um exemplo clássico de Nelson Rodrigues que escreveu histórias com um conteúdo fortíssimo, as quais eram extraídas das profundezas mais sujas e mal cheirosas da alma humana, e, em absoluto, não utilizou nunca um reles ou escasso palavrão. Mas vejam que ele estava ali, implícito, nas entrelinhas. É certo que as madames pomposas que assistiam às peças, saiam do teatro proferindo em pensamento: “é um desgraçado”.

Os palavrões são congênitos e hereditários. Estão dentro da nossa profunda consciência. Quem os nega, nega sua própria condição humana e adere à hipocrisia das rodas sociais. É exatamente isto que Nelson nos provocava – e ainda provoca: o palavrão interno, cardíaco de todos nós. Se querem bem saber, vou mudar o título. O palavrão é mesmo sorrateiro, reside em nós. Vou deixá-lo no ar, para que cada um profira o seu preferi e expurgue suas misérias. Verbalize o que lhe corrói por dentro.