6 de agosto de 2007

ODE AO PALAVRÃO

Meus caros, hoje pretendo contar um segredo pra vocês. Nunca nenhuma crônica, que eu me advirto a escrever, começa por um título. Até por que, meus textos são para mim um grande mistério. Quando começo a escrever, não tenho idéia do que sairá. Tantas e tantas vezes já me vi diante de uma folha de papel em branco, e ele ali a me desafiar a preenchê-lo de idéias revestidas de palavras. Assim, o título vem como um complemento, com o qual pretendo resumir a essência do texto em uma frase apenas. Bom exercício para um publicitário que trabalha fora de sua atividade escolhida na academia.

Pois desta feita, o título me veio antes. Anterior até a si mesmo. Pois não quero ser desonesto com o leitor. O título é apenas a verbalização da idéia tropo. Nada surge sem a participação de nossas memórias alegóricas. Creio que muitas obras imortais surgiram desde a sucintes de um mero título – Guimarães Rosa, tenho a míope impressão, concebeu sua obra máxima através do título. O “Grande Sertão: Veredas” era tão somente um nome, a junção de palavras, e foi o start dessa obra absoluta e pictórica. Mas vejam, amigos, não pretendo aqui discutir o processo psicológico da criação. Até por que ela é múltipla, irisada, relativa.

Abro agora o terceiro parágrafo e finalmente chego onde eu pretendo. Não há atalho mais útil, indispensável para os nossos dias que o palavrão. Ele está presente no ressoar da concha acústica dos bares, avenidas, escritórios. O palavrão possui toda uma função fisiológica, onde expurgamos todo o amargor, a ira dos dias afins. As más palavras ainda nos servem como protesto, transgressão. A fuga dos protocolos que buscam engessar os nossos dias.

Sei que muitos hão de objetar. Paciência. Sobretudo as beatas plantonistas hão de rechaçar as minhas idéias. Mas como, um pretenso escritor, cronista, dramaturgo pode fazer apologia às palavras mal educadas? Pois eu vos digo: não é feliz quem, ora por vez, não profere um palavrão. E ainda acrescento: desconfie da polidez alheia. Quem não explode em um impropério verbal de vez em quando – nem que seja trancado num porão escuro – pode estar a um passo da erupção e sacar uma arma com tiros para todos os lado

Há nas artes um exemplo clássico de Nelson Rodrigues que escreveu histórias com um conteúdo fortíssimo, as quais eram extraídas das profundezas mais sujas e mal cheirosas da alma humana, e, em absoluto, não utilizou nunca um reles ou escasso palavrão. Mas vejam que ele estava ali, implícito, nas entrelinhas. É certo que as madames pomposas que assistiam às peças, saiam do teatro proferindo em pensamento: “é um desgraçado”.

Os palavrões são congênitos e hereditários. Estão dentro da nossa profunda consciência. Quem os nega, nega sua própria condição humana e adere à hipocrisia das rodas sociais. É exatamente isto que Nelson nos provocava – e ainda provoca: o palavrão interno, cardíaco de todos nós. Se querem bem saber, vou mudar o título. O palavrão é mesmo sorrateiro, reside em nós. Vou deixá-lo no ar, para que cada um profira o seu preferi e expurgue suas misérias. Verbalize o que lhe corrói por dentro.

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