Dita a nossa crassa e ignara consciência coletiva, que ter filhos é uma dádiva, um ato transcendental. Imagino que colocar mais um ser humano nesse mundo é de uma irresponsabilidade torpe. Sobretudo mais um brasileiro para viver nesse país de tantas injustiças e tamanhas indignidades. Amigos não se espantem. Não quero apregoar um controle de natalidade maciço, pânico. Vejo apenas que a raça humana vem se auto digladiando desde priscas eras. O nosso grande e inequívoco mal é a nossa incoerência. Repito: o que nos discerne dos animais não é a inteligência, mas sim a incoerência parva das nossas atitudes, das mais elementares às mais sofisticadas.
Perdoem-me se me perco em palavras agressivas. Creio que em detrimento ao que eu pretendo realmente falar. Diariamente, quando volto do trabalho, passo em frente a um albergue, onde homens se enfileiram, com efeito, para tomarem a refeição da noite e também dormirem em algum lugar menos pétreo, menos árido que as calçadas. O dia todo, esses homens se arremessam no batente e ficam ali solicitando a caridade alheia. Eis onde eu pretendo chegar: a caridade é um cruel dessonho. Já explico.
A maioria absoluta dos mendigos e pedintes que se aboletam pelas calçadas do nosso passeio público, estão ali por uma insofismável opção de vida. Há poucos, pouquíssimos, que vivem nessa situação por serem vítimas da segregação social ou da incapacidade física e mental de procurarem um trabalho minimamente digno.
Certa época da minha vida, eu assinava uma coluna de crônicas em O Pergaminho, um jornal semanal, naquela época, de Formiga, minha terra natal. Eis que o meu debut naquele pasquim foi com um texto onde eu fazia uma crítica sobre a questão do mendigo no Brasil e, mais especificamente, em Formiga. O título da crônica era “A mendiga da Fonte”, numa alusão a uma senhora que se sentava no batente de uma loja chamada “A Fonte” – se não me trai a memória. Ela era uma criatura apiedada, que nos tocava, de fato, a alma. Ela possuía um dos olhos vazados, os braços roliços e o cabelo sempre com um aspecto sujo. Mas, proferiam as ácidas línguas interioranas, que ela tinha uma saúde de vaca premiada. Seus aspectos físicos – e mentais – estavam em pleno gozo. A mulher estava ali, jogada ao batente, por causa do olho vazado, o qual lhe dava uma aparência realmente terrível, horrenda, indecorosa.
Vejam, meus caros, que não estou fazendo juízo de valor. Não conhecia proximamente aquela mulher para saber dos seus reais motivos por estar ali. E na crônica que eu publiquei, em O Pergaminho, não fiz nenhuma escassa menção cruelmente direta a ela. Apenas a utilizei como metáfora para falar exatamente isso que venho lhes mostrando nesta outra crônica. Mas eis que uma parenta dela, de posse de um exemplar do jornal, invadiu a redação a minha procura e foi ter com o diretor do jornal. Eu não trabalhava no jornal, apenas colaborava. A dona quis saber quem era eu e queria tomar satisfações. Ora, acho que não disfarcei o suficiente a metáfora. Faço o mea culpa. Fato é que o diretor do jornal ficou em uma situação constrangedora.
Não sei de que forma ele se saiu daquela situação, mas o fato é que ele veio me falar “Cuidado, cuidado”. Ora vejam a vida do cronista no nosso país. Se quisermos nos aliar a um órgão de imprensa, temos que nos esconder como um Bin Laden, preferencialmente com um pseudônimo, para explanar o que pensamos. A sinceridade é, de fato, a pior das virtudes.
Um comentário:
e viva a adoção!
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