25 de janeiro de 2008

ANTIQUÁRIOS DIGITAIS

Não há época mais antiga que a nossa. E repito: somos os contemporâneos mais saudosistas que jamais existiram nesse mundo. Sei que muitos hão de objetar: mas e os avanços tecnológicos e a era dos pc’s, da Internet? Ora vejam, estamos em plena revolução digital dos meios de comunicação e, assim mesmo, vivemos uma nostalgia faraônica. Hoje se cultiva o obsoleto, o retrógado.

Outro dia, voltando para casa de trem, observei um grupo de adolescentes que encaminhavam para alguma festa. Eu os observava de longe com uma curiosidade mórbida (toda curiosidade é mórbida). Mas eis que os jovens se trajavam semelhantes a um Elvis, e outros possuíam cabelos repuxados para o centro da cabeça e erguidos, tal como é a estética punk. O leitor já me entendeu, com efeito. Não havia naqueles jovens uma mísera, escassa aparência de século XXI. Se algum indivíduo tivesse dormido em 1965 e só acordasse agora, em 2008, ali naquele trem, e presenciasse aquelas criaturas, decerto afirmaria: cochilei por meros 15 minutos.

A moda comumente chamada de retrô vem ocupando as vitrines, as grifes famosas, os corpos de Gisele Bündchen. Às vezes me sinto alardeando o óbvio. Paciência. Mas o fato é que a busca por esse passado, essa estética de décadas anteriores a nós mesmos é a demonstração evidente de que não possuímos ídolos em nosso tempo. E um povo sem ídolos é um povo sem cara, um narciso sem espelho. Falei outro dia aqui mesmo nesse espaço virtual que o último grande ideal do brasileiro foi a luta pela Diretas Já. Depois disso, tudo que ocorreu foi intranscendente, efêmero. Tancredo foi o último grande homem popular e temos na perspectiva daquela época uma distancia abismal, um atlântico espaço de tempo de vinte e poucos anos.

Os avanços nas comunicações, na tecnologia em geral, têm gerado um esvaziamento humano. Hoje somos 6 bilhões de universos diferentes convivendo no mesmo planeta, devastando-o para a eternidade com vistas para a nossa conveniência, nossa zona de conforto. O sexo virtual é a mais comum e atual forma de relação. Com o advento das doenças venéreas e fatais, somos abdicados ao ato sublime realizado intermediado por máquinas e cabos de fibra ótica.

Outro dia li sobre uma nova tecnologia que surge com vistas para a substituição do DVD. Vejam, meus caros, que há tantas e tantos que nunca tiveram contato com o fascinante mundo do DVD, e quando os tiver já será algo obsoleto, ultrapassado. No artigo falaram na tecnologia Blu-ray que virá para colocar no bolso do colarinho tudo que existe hoje em referência à imagem e som. Essa será a ultima velha novidade. Quase ao mesmo tempo, também tive acesso a um movimento de músicos que apregoam a volta dos discos de vinil. Isso mesmo, a radiola egípcia da vovó voltará à ativa. Presenciaremos verdadeiros antiquários digitais, com aqueles proprietários empoeirados até os olhos.

Não há a mínima coerência (afinal não se pode esperar do ser humano a coerência). A cada novo avanço tecnológico, agimos como náufragos do Titanic em busca de um apoio pretérito. O que isso me sugere é um desespero voraz, um grito de socorro. O homem está se esquecendo do homem. Os robôs serão a nossa mais dramática redenção.

20 de janeiro de 2008

O OLHO VAZADO

Dita a nossa crassa e ignara consciência coletiva, que ter filhos é uma dádiva, um ato transcendental. Imagino que colocar mais um ser humano nesse mundo é de uma irresponsabilidade torpe. Sobretudo mais um brasileiro para viver nesse país de tantas injustiças e tamanhas indignidades. Amigos não se espantem. Não quero apregoar um controle de natalidade maciço, pânico. Vejo apenas que a raça humana vem se auto digladiando desde priscas eras. O nosso grande e inequívoco mal é a nossa incoerência. Repito: o que nos discerne dos animais não é a inteligência, mas sim a incoerência parva das nossas atitudes, das mais elementares às mais sofisticadas.

Perdoem-me se me perco em palavras agressivas. Creio que em detrimento ao que eu pretendo realmente falar. Diariamente, quando volto do trabalho, passo em frente a um albergue, onde homens se enfileiram, com efeito, para tomarem a refeição da noite e também dormirem em algum lugar menos pétreo, menos árido que as calçadas. O dia todo, esses homens se arremessam no batente e ficam ali solicitando a caridade alheia. Eis onde eu pretendo chegar: a caridade é um cruel dessonho. Já explico.

A maioria absoluta dos mendigos e pedintes que se aboletam pelas calçadas do nosso passeio público, estão ali por uma insofismável opção de vida. Há poucos, pouquíssimos, que vivem nessa situação por serem vítimas da segregação social ou da incapacidade física e mental de procurarem um trabalho minimamente digno.

Certa época da minha vida, eu assinava uma coluna de crônicas em O Pergaminho, um jornal semanal, naquela época, de Formiga, minha terra natal. Eis que o meu debut naquele pasquim foi com um texto onde eu fazia uma crítica sobre a questão do mendigo no Brasil e, mais especificamente, em Formiga. O título da crônica era “A mendiga da Fonte”, numa alusão a uma senhora que se sentava no batente de uma loja chamada “A Fonte” – se não me trai a memória. Ela era uma criatura apiedada, que nos tocava, de fato, a alma. Ela possuía um dos olhos vazados, os braços roliços e o cabelo sempre com um aspecto sujo. Mas, proferiam as ácidas línguas interioranas, que ela tinha uma saúde de vaca premiada. Seus aspectos físicos – e mentais – estavam em pleno gozo. A mulher estava ali, jogada ao batente, por causa do olho vazado, o qual lhe dava uma aparência realmente terrível, horrenda, indecorosa.

Vejam, meus caros, que não estou fazendo juízo de valor. Não conhecia proximamente aquela mulher para saber dos seus reais motivos por estar ali. E na crônica que eu publiquei, em O Pergaminho, não fiz nenhuma escassa menção cruelmente direta a ela. Apenas a utilizei como metáfora para falar exatamente isso que venho lhes mostrando nesta outra crônica. Mas eis que uma parenta dela, de posse de um exemplar do jornal, invadiu a redação a minha procura e foi ter com o diretor do jornal. Eu não trabalhava no jornal, apenas colaborava. A dona quis saber quem era eu e queria tomar satisfações. Ora, acho que não disfarcei o suficiente a metáfora. Faço o mea culpa. Fato é que o diretor do jornal ficou em uma situação constrangedora.

Não sei de que forma ele se saiu daquela situação, mas o fato é que ele veio me falar “Cuidado, cuidado”. Ora vejam a vida do cronista no nosso país. Se quisermos nos aliar a um órgão de imprensa, temos que nos esconder como um Bin Laden, preferencialmente com um pseudônimo, para explanar o que pensamos. A sinceridade é, de fato, a pior das virtudes.

11 de janeiro de 2008

LADRÕES BENFEITORES

Como é difícil explicar o que ocorre quando resolvemos viver aquilo que nos foi traçado desde encarnações anteriores a nós mesmos. Vejam que tenho a convicção absoluta que nasci para trabalhar com palavras, arquitetar frases, moldar textos, construir sonhos revestidos de alocuções. Eis que nascido com tal missão nessa vida, me vi afastar-me do meu destino transcendental. Por motivos alheios aos meus mais inconfessáveis desejos, tive meu caminho traçado pela abjeta necessidade de dinheiro. Assim sendo, fui vítima de mim mesmo e perdi o foco do objetivo que me sustenta vivo nessa Terra.

Sim, o dinheiro. Como disse Caetano: “a força da grana que é e destrói coisas belas”. O dinheiro é lidado como o objetivo final, a razão de nossas mal amadas vidas. E quem vive e se escraviza pelo dinheiro é de uma aspereza de palha de aço. O dinheiro corrompe tudo, até mesmo um santo encerrado em seu caritó. O dinheiro que sustenta a arte e, ao mesmo tempo, a torna a negação da própria arte, a ex-arte. A lógica capitalista me é exaurante, inóspita. Não consigo enxergar o mundo sob essa ótica simplista comercial.

Todavia, o aspecto mais angustiante e tenebroso de tudo isso é que não posso vislumbrar outro caminho para a vida, que não me deixar prender em senzalas para sobreviver. Sei que divago em utopias, me perco em argumentações líricas para algo tão robustamente objetivo como o capitalismo. Mas eu me aproximo do meu objetivo nesse texto.

Hoje gostaria de falar sobre as benfeitorias que o destino trata de arquitetar. Por caminhos tortuosos, incompreensíveis a nós, pobres encarnados, os ladrões das obras de arte do MASP foram responsáveis por uma boa ação indiretamente. Nunca, desde a sua fundação, o Museu de Arte de São Paulo ocupou tanto a mídia que, no seu sensacionalismo atávico, quis ressaltar um crime. Mas esse ato, de crime puro e genuíno, teve muito pouco. Repito, esse foi o melhor crime que já ocorreu no Brasil.

As obras de Picasso e Portinari foram surrupiadas numa tentativa de se corromper a arte pelo dinheiro. E agora, essas obras de arte, bem como todo o museu, ganharam uma exposição similar à que têm as nadegas do BBB, os surtos de Britney Spears, os tiros nas favelas. O caso ganhou até um destaque internacional (para o enrubescimento de nossas faces). Agora, as obras do MASP serão, finalmente, dignas de uma segurança reforçada e de novos investimentos para o museu que é um marco na evolução da nossa cultura. Sim, pois a Semana de 1922, fato impulsionador do Modernismo no país, é a maior manifestação cultural da história do Brasil. Tomara que esse incidente provoque um novo e sobressaltado movimento modernista.