22 de novembro de 2006

A ESQUINA IMAGINÁRIA

Consultei o relógio antes mesmo de descer. Era 4:30h da manhã. Chegava eu de Belo Horizonte no Terminal Tietê. Os serviços de metrô e até mesmo do terminal ainda não funcionavam. Fiquei ali aguardando, assentado num daqueles muitos bancos. Quando enfim abriram o acesso ao metrô, uma pequena multidão se encaminhou para a escada rolante. Ao chegar próximo, vi que a escada estava ainda em manutenção e rolava ao contrário. Uma pequena platéia assistia à escada. Pela primeira vez presenciei uma escada com espectadores. Era a estrela daquele momento, celebridade instantânea como tantas. Quando, finalmente, os degraus se puseram a funcionar, só faltou àquela audiência ovacionar com palmas a escada. E aqueles paulistanos, ou não, correram em direção ao metrô.

Fiz essa introdução acima para chegar ao raciocínio: uma característica fatal dessa terra, dessas pessoas, é a maratona. Não há paulistano que não corra ao menos uma meia São Silvestre diuturnamente. Viver em São Paulo é correr para tudo e contra tudo. Mas eu vos digo: o paulistano corre ao encontro daquilo que o corrói.

Desde que aqui cheguei nutria uma curiosidade mórbida. Afinal, o que tinha de tão especial no cruzamento da Ipiranga com a São João? O que aconteceu com o coração do Caetano? Eis o que descobri, meus caros, essa esquina sequer existe. Trata-se de um devaneio, uma sátira sobre São Paulo. Caetano faria uma sátira? Perguntariam alguns. Repito, sim. Caetano é um grande brincalhão. Digo isso com todo respeito ao artista e ao homem.

Os idiotas da objetividade afirmarão com sua veemência: Mas existe sim essa intersecção. Eu já fui lá e vi. Estava lá, com seu lixo acumulado no canto das calçadas, com suas crianças nuas praticando malabares em busca da moeda da consolação. Pois eis aqui a verdade: A esquina Ipiranga com São João não existe mais, pois faleceu. Sua morte foi lenta e dolorosa, até que se escoou todo sangue. Esta esquina separa o samba-canção das baladas funks, a lerdeza dos bondinhos da veemência dos metrôs.

O centro de São Paulo é o retrato da fúria devastadora dessa cidade. Para se ver de longe é um local aparentemente agradável, com edifícios antediluvianos e avenidas arteriais. Todavia, o paulistano correu dali, como quem corre rumo ao próprio algoz. Afinal, o dinheiro fugira desse lugar. Ao passo disto, construíram avenidas, viadutos, arranha-céus. Mas toda essa pujança criou uma aridez de três desertos. E ainda agora querem acabar com os out doors, uma das poucas cambiantes que destoam do cinza pétreo dos edifícios.

Um dia, um amigo veio me dizer: “Se São Paulo se separasse do Brasil, seria uma Espanha sul americana”. Confesso que hesitei e também cogitei a possibilidade separatista. Mas vejam, conclui que se São Paulo fosse um país, seria sim talvez um novo Japão: rico, porém sem a irisada face do Brasileiro.

Quem fez São Paulo não foram apenas os paulistanos, mas os muitos imigrantes que aqui habitam. Pessoas que saíram do calor de sua família para entrarem na pulsação frenética dessa megalópole. Mas São Paulo acolhe a todos. Com uma sisudez britânica, sim. Mas é só deixar o tempo fluir, as garoas molharem, que o imigrante é capaz de sentir algo, lá no fundo do coração, quando cruza a famosa e feérica intersecção paulistana.

2 comentários:

Denise disse...

Eu nasci em SP e fui criada em MS. Com uns vinte e poucos anos me mudei para SP. Esta frase sua "Viver em São Paulo é correr para tudo e contra tudo" a gente sente na pele quando sai de outro lugar e vai morar em SP... Não me esqueço da primeira vez que fui fazer baldeação na Sé... eu perdi o metrô porque não consegui "empurrar" as pessoas para entrar... Sempre me lembro desta cena, mesmo depois quando já estava habituada a este empurra-empurra para entrar no metrô lembrava daquele dia que tinha ficado pra fora...
Ainda há para mim a "dura poesia concreta de tuas esquinas" - há a poesia. Pelo menos eu ainda via em SP muito daquela poesia. Foi uma época muito rica pra mim, como para tanta gente de fora que vai para São Paulo.
Gostei do texto, das impressões e sensações.
Abraços.
Denise.

Anônimo disse...

Parabéns PC!

Esta com um otimo vocabulario!

Pena que os textos, escritos, e tudo mais no brasil não seja mto reconhecido.


Parabéns!

paz e luz


Patrick Simões