Falei outro dia, aqui mesmo nesse espaço, sobre o estupro consentido. Alguns amigos vieram me objetar contra-argumentando que se é consentido, não se conota o estupro. Pois eu vos digo: ele existe e é muito mais comum do que se pode presumir. Está em todas as partes, nas esquinas movimentadas, nas raves emaconhadas, nos cocos dos cachorros. Esse ato hediondo (ou bárbaro, como queiram) é muito nosso e inerente ao brasileiro. A reeleição do presidente Lula é a encenação perfeita, flagrante, peremptória da permissão concedida ao estuprador.
Mas não é sobre isso que eu pretendo falar. Esses assuntos sobre eleições tornaram-se passado. C’est fini, como diria minha amiga Flávia que está de partida para Sorbonne. Que tenha sorte naquela terra sofisticada, com sotaques estilísticos e gastronomia esquisita. Leve muito feijão, pois o brasileiro sem feijão é o anti brasileiro. Eu quero chegar ao assunto dessa crônica sem mais digressões.
Fui ao cinema há alguns dias para assistir ao belíssimo filme “O Ano em que meus pais saíram de férias”. Fita de altíssima qualidade. Fotografia primorosa e roteiro cativante. Mas antes mesmo do inicio da história, me veio o tema dessa crônica à cabeça. Confesso que passei boa parte do filme emendando raciocínios e conclusões pertinentes para esse texto sem sequer perder um diálogo, uma ação. Tudo isso graças aos créditos que se impuseram gigantes bem a minha frente os quais citavam o apoio irrestrito da gloriosa Ancine e da nossa amada Petrobrás. Ah, se não fosse por eles, estaríamos nós ainda vítimas das fitas americanas e suas legendas mais rápidas que a Ferrari de Michael Schumacher. Pois eis o que eu gostaria de falar.
A Ancine foi criada com um intuito fatal de facilitar e incentivar a produção cinematográfica no Brasil. Mas o que ocorre é uma verdade mentirosa. Para uma produtora pequena ou média conseguir submeter um projeto entre os arquivos e escrivões que habitam essa fundação, é preciso um trabalho hercúleo, nababesco. O que dirá o meu amigo, mestre e o futuro grande cineasta do Brasil, Tiaraju Aronovich. Certo dia, ele nos relatou sobre sua epopéia para conseguir aprovar um projeto nessa lei de incentivo fictícia. É tamanha burocracia que nem compensa relatar aqui. Se eu o fizesse, reescreveria um novo “Os Sertões”.
Críticas a esse trabalho extremamente burocrático existem entre todos os artistas brasileiros. Mas eu quero atentar para outra realidade. A Ancine é uma obra genuinamente brasileira. Ela trabalha com esses paradigmas, por que ela é vítima do próprio brasileiro. Nossa burocracia existe para nos defendermos de nós mesmos. Não é uma Ancine, ou uma Lei Rouanet que nos impede de construir um desenvolvimento nas artes, mas sim o próprio brasileiro.
Resta aos nossos artistas praticarem o cinema de guerrilha. Onde os recursos são menores e também os orçamentos, mas não a arte. A arte não se precifica. Ela é o fruto de um estudo, de um trabalho. E não há burocracia mundana que derrube um sonho, isso se esse sonho realmente existir. E torçamos para que a Ancine saia de férias. Não apenas por um ano, mas por longos e epiléticos carnavais.
7 comentários:
Burocracia há em todo lugar.... Para fazer matrícula, tirar visto, tirar carteira de motorista, fazer filme, livro.... Resta saber: existe mundo sem leis? Poderíamos vever nele? Ou seria a completa Esbórnia??? Lendo Kant,I, ele diria que "A liberdade do homem é a lei"! A burocracia nos mostra isso!! Qual a nossa liberdade, e qual o nosso limite para a arte!!! E sem a ANCINE, nem mesmo grandes obras poderiam ser feitas!!! O Brasil precisa dar o 1º passo em cultura, para que esta chegue a todo lugar, ou estaremos fadados aos eternos "pornÔs-xanxados"!!!
E quanto ao assunto do Lula, "OUI, C'EST FINI... JE N'AIME PAS PARLER AU SUJET DE CECI!"
Ah, e a França é Lula!! A França é contra o escalonamento de Kelsen e acredita num governo popular!!!!e ela sabe que o mensalão começou no governo FHC!!!!
É legal falar dessas questões da burocracia. Acho que o mundo moderno não viveria sem burocracia, mas tudo tem limite. O que a Ancine faz é brincadeira de mau gosto. Coisa bem de país de terceiro mundo, com um povo ainda mais subdesenvolvido.
Te parabenizar pelo texto é quase uma redundancia. Mas vc merece. Parabéns e muito beijos.
não creio que a Ancine seja a vilã da hostoria.
o que nesse diabo de país não tem uma burocracia básica?
até pra exercer sua cidadania voce é submetido à burocracia sistêmica.
A Ancine, ruim por ruim, angariada pela Petrobrás (patrocina pra aumetar o preço do barril de petroleo), faz esse serviço, que mesmo sofrido para quem precisa, é de grande valia, pois sem ele, como disse a Flávia, o cinema nacional ainda estaria nos padrões "peitos caidos e estorias desconexas".
mas quem sou eu pra dizer alguma coisa... como gostaria de ser ignorante, viver uma vida descompromissada!!
mas ja era!!
agora é tocar a carroça!!
abraço PC do Bê!!
Burocracia, parece que foi criada especialmente para os brasileiros, ignorantes, idiotas que preferem viver na cegueira, no comodismo, que elege um semi-analfabeto para dirigir uma nação que a vida inteira é considerado um país do futuro. Não percebem que o nosso futuro é hoje, é agora, que estamos arriscados a acordarmos amanhã e ficarmos sabendo pelo jornal na tv que voltamos à condição de colônia. E ai a dúvida: será dos EUA ou de Cuba. Continua não sendo do interesse dos que mamam em alguma teta do governo, deixar vir à tona pessoas que possam começar a mudar a mentalidade medíocre do povo. Talvez a Ancine esteja simplesmente, cumprito ordens para não perder a teta.
Não concordo em hipótese alguma que sem a Ancine grandes obras não seriam feitas. As grandes - e poucas - obras primas do cinema brasileiro foram realizadas sem qualquer vínculo da Ancine. Concordo porém com o que diz o PC em sua crônica, que a Ancine é fruto do cultural coletivo brasileiro. Aqui, a Ancine não poderia ser diferente. Brasil, segundo país mais burocrático do planeta, onde se leva meses para abrir uma ampresa e anos para fechá-la, a Ancine não poderia ser diferente, filha que é de um sistema preciosamente estruturado para manter-se inatingível e indestrinchável.
Restam alternativas corajosas e criativas, que sem dúvida devem prevalecer num futuro próximo.
OBS.: É também bom lembrar que nem a Ancine nem a Petrobrás são responsáveis por nos livrarem das pornô-chanchadas. Muito pelo contrário, a forte retomada do Cinema Nacional a partir de 1994 e principalmente a partir de 1999 é que forçaram o Estado a dividir uma entidade específica para tratar de nossa área, e a Petrobrás, nem um pouco boba, percebeu ali grandes vantagens e rapidamente foi beber do novo leite.
Abraços
Tiara
OOOOOOOPS....que feio... vínculo COM a Ancine...
tiara
A questão não só da Ancine, mas de todos os tipos de leis de incentivo, diz respeito a uma visão bastante limitada do que podemos pensar como "produção artística nacional". Em primeiro lugar, há um dilema: o Brasil precisa criar um mercado da arte, que não precise do Estado. A produção é a etapa mais fácil, o problema é como distribuir, divulgar e tornar, neste caso, o filme tão acessível quanto os dos grandes estúdios. As grandes empresas utilizam das leis de incentivo para minimizar custos e aumentar margem de lucro. Merece reflexão.
Isso feito, o Estado vocaciona-se para a produção independente, desburocratizando e diluindo verbas a vários realizadores. Isso pode ser uma política das estatais. Todavia, elas são empresas e, por isso, lidam com sua imagem. É direito da Petrobrás não financiar uma peça pelo fato da mesma abordar temas menos conservadores. É lamentável, mas é fato.
Culpar a burocracia será sempre o caminho mais fácil. Ela não possui relação com a liberdade mas com a heteronomia, o mal materializado com fins de ordem. A liberdade não passa pela razão (essa é uma opinião kantiana). A questão é muito mais complexa e passa pela relação de um conjunto de atores que não pode reduzido a Ancine a Petrobrás.
Postar um comentário